20 de julho de 2017

Resenha do livro: O que é Teologia Arminiana? Wellington Mariano



MARIANO, Wellington. O que é Teologia Arminiana. São Paulo: Reflexão, 2014, 64 p.

Por Valdemir Pires Moreira [01]

Wellington Mariano especialista em Estudos Teológicos pelo Centro Presbiteriano de Pós-Graduação Andrew Jumper, especialista em Literatura pela PUC-SP, especializando em Ensino de Língua Inglesa pela Estácio de Sá e bacharel em Letras com habilitação em Tradução e Interpretação pelo Centro Universitário Ibero-Americano. Tradutor das obras Teologia Arminiana: Mitos e Realidades e Contra o Calvinismo: ambas de Roger Olson, Por que não sou calvinista, de Jerry Walls e Joseph Dongell, Quem Criou Deus?, de Norman Geisler e Ravi Zacharias, dentre outras. Palestrante e pastor das Assembleias de Deus. Casado com Daniela Mariano e pai de Gustavo Henrique Mariano.

A igreja evangélica no Brasil por séculos ficou sem informações sólidas em sua língua materna sobre a mais bíblica linha soteriológica. Estamos falando do Arminianismo, sistema teológico oriundo do teólogo holandês Jacó Armínio, que pouco a pouco passa a ser conhecido pela igreja brasileira.

O Que é Teologia Arminiana? é uma obra com poucas páginas, porém com conteúdo acurado. O autor, pastor e teólogo Wellington Mariano, um dos pioneiros na divulgação do Arminianismo em solo brasileiro, introduz o assunto de maneira cativante e nos convida a aprofundarmos mais e mais nesta teologia da graça.

A obra é composta inicialmente de uma introdução à Teologia Arminiana, seguida por um relato a respeito da vida, formação e pastorado do teólogo holandês até o seu falecimento, e pela descrição dos seus primeiros seguidores que ficaram conhecidos como Remonstrantes. O autor prossegue com a apresentação daqueles que são chamados como os Cinco Artigos da Remonstrância, um resumo do que o teólogo holandês Jacó Armínio defendeu como a mais bíblica doutrina sobre a salvação. Após, ele descreve os Cinco Pontos do Arminianismo (em inglês FACTS) [02] e seus desdobramentos. 

A presente obra é excelente referência para aqueles que almejam conhecer a Teologia Arminiana, uma teologia durante séculos mal compreendida e injustamente criticada por conta da escassez de obras em língua portuguesa a respeito do tema. Aprouve a Deus permitir que a Editora Reflexão, de maneira destacada e ousada, colocasse à disposição de teólogos, seminaristas, estudiosos da Bíblia e da Igreja em geral esse valioso instrumento de estudo que certamente contribuirá também para corrigir os distorcidos e falsos ensinos a respeito da Teologia Arminiana e daquele que foi o seu precursor.

[01]- Valdemir Pires Moreira é diácono na Igreja Evangélica Assembleia de Deus de Caucaia (CE), Casado com Elizangela Pires de Oliveira Moreira, Bacharelando em Teologia pelo IESTEC, Professor da Escola Bíblica Dominical e Administrador das páginas no Facebook Teologia Arminiana em Vídeos, Teologia Arminiana em Livros e Teologia Pentecostal em Vídeos.

[02]- Feitos Livres para Crer, A todos a Expiação, Condicional Eleição, Total Depravação e Segurança em Cristo. 


Entrevista exclusiva com o pastor Carlos Augusto Vailatti



Por Everton Edvaldo

A entrevista de hoje é com o Biblista, Hebraísta e Teólogo: Carlos Augusto Vailatti. Vailatti é Doutor em Estudos Judaicos, com concentração em Estudos da Bíblia Hebraica, pela Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas- Departamento de Letras Orientais- da Universidade de São Paulo (USP). Mestre em Teologia, com especialização em Teologia Bíblica, pelo Seminário Teológico Servo de Cristo (STSC). Bacharel em Teologia pela Faculdade Betel/Instituto Betel de Ensino Superior (IBES) e também pela Escola Superior (EST), Rio Grande do Sul. Atua principalmente nos seguintes temas: exegese do AT e do NT, Teologia do AT e do NT, hermenêutica e tradução de textos bíblicos.

01) Carlos Augusto Vailatti, o senhor é bastante conhecido por seus debates no programa Vejam Só, palestras, pregações, livros e posicionamentos. Acontece que há sempre um lado que desconhecemos. Já que muitas pessoas não têm proximidade com o senhor, revele-nos como é a rotina do Vailatti no dia a dia, em casa, com a família e na congregação. 

CAV: Como sou professor de diversas disciplinas teológicas em alguns seminários de São Paulo e, além disso, dou palestras em vários estados do Brasil sobre distintos assuntos bíblicos e teológicos, então minha rotina ultimamente tem sido preparar aulas, palestras, estudos e pregações. Já em termos mais pessoais, diria que sou bastante caseiro. Gosto de ficar em casa na companhia de minha esposa (Noeli), minha mãe (Antonia) e meu cachorrinho (Kalebe), um spitz alemão de quase dois anos, com quem costumo passear no parque umas duas ou três vezes por semana. Não tenho filhos. Ademais, gosto muito de ler (especialmente livros de teologia) e assistir a bons filmes de ação e ficção. Quanto à vida ministerial, pastoreio uma igreja independente, chamada Igreja Evangélica Jaboque, situada na zona leste de São Paulo, uma comunidade muito querida e abençoada por Deus.

02) Hoje não resta dúvidas de que o senhor é um arminiano assumido. Além disso, uma pessoa que inspira muitas outras. Por ser referência no assunto, acredito que muitas pessoas queiram saber como surgiu essa paixão pelo Arminianismo. Quando e como foi que “a ficha caiu” e o senhor conscientemente entendeu que era um arminiano?  

CAV: Sim, sou um arminiano convicto por livre e espontânea escolha, sem que nada e ninguém me tenha determinado a sê-lo (risos)! Quanto a ser uma referência no assunto, bem, isso é bondade sua. Sou apenas uma pessoa entusiasmada pelo tema. Creio que essa paixão pelo Arminianismo surgiu há uns oito ou nove anos. Na ocasião, durante a preparação de uma série de aulas sobre Soteriologia, acabei lendo, pela primeira vez, as Institutas de Calvino e as Works de Armínio e, ao fazê-lo, me vi totalmente convencido de que o pensamento soteriológico de Armínio estava muito mais próximo das Escrituras do que o pensamento de Calvino. Foi nesse momento que me percebi, de fato, arminiano.  

03) Traduzir a Análise de Romanos 9 escrita pela teólogo, professor e pastor Jacó Armínio deve ter sido uma experiência singular. Gostaríamos de saber, quais foram as primeiras impressões que o senhor teve durante a leitura do documento de Armínio?  

CAV: Ao ler Uma Análise de Romanos 9, de Armínio, algumas questões saltaram-me aos olhos. Em primeiro lugar, chamou-me a atenção a prolixidade (esta obra é, na verdade, uma “simples” carta que Armínio endereçou a um erudito zwingliano de sua época!), racionalidade (há silogismos em abundância no texto), erudição e piedade de Armínio. Em segundo lugar, é visível o caráter tanto bíblico quanto escolástico do seu pensamento. Por fim, são notórias a veia poética e a humildade de Armínio. No final de sua obra, Armínio redige um poema no qual se revela disposto a reconsiderar e a corrigir o seu pensamento, caso alguém mostre o erro de sua argumentação. O compromisso de Armínio não é com nenhuma “teologia de estimação”, mas sim com a verdade, doa a quem doer, incluindo ele mesmo. Esse traço de Armínio é admirável! 

04) Quando se fala na presciência de Deus, alguns arminianos costumam usar vários tipos de expressões para descrever o conhecimento que Deus possui acerca das coisas. Por exemplo, fala-se muito que na eternidade, Deus previu quem iria crer e quem não iria crer. De acordo com sua perspectiva, o verbo “prever” é adequado para esse tipo de explicação? Deus precisa ver o futuro para ter ciência das coisas? Os opositores dos arminianos afirmam que a consequência lógica desse tipo de explicação é que o Arminianismo leva ao teísmo aberto. No seu ponto de vista, dizer que simplesmente “Deus, num eterno agora, sabe de todas as ações humanas” não seria mais plausível que dizer que “Deus previu o futuro”? Ou ambas são plausíveis? Como o senhor enxerga essa questão?  

CAV: Sim, o verbo “prever” – como sinônimo de “pré-conhecer” – é adequado porque essa é a terminologia empregada pela Bíblia. O verbo grego proginosko, “conhecer de antemão” ou “pré-conhecer” ocorre, por exemplo, em Romanos 8:29 e, em 1 Pedro 1:2, o substantivo prognosis, “presciência”, também pode ser verificado. Quanto à segunda pergunta, a resposta é igualmente afirmativa. Como a onisciência é um dos atributos necessários de Deus, sem o qual Ele, evidentemente, não poderia governar o universo, logo, Deus precisa conhecer em Seu eterno presente tudo aquilo que, da perspectiva humana, é chamado de futuro, a fim de que possa reger o mundo e executar os Seus sábios desígnios. Aqui há uma questão importante. Embora a presciência divina seja cronologicamente anterior aos eventos futuros, contudo, os eventos futuros são logicamente anteriores à presciência divina. Aliás, tal presciência divina de eventos futuros não os causa, mas apenas os constata, visto que, nas palavras do próprio Armínio, “uma coisa não acontece por ter sido conhecida previamente ou predita, mas é conhecida previamente e predita porque ainda virá a acontecer” (As Obras de Armínio, Vol.2, p.67). Por fim, dizer que o Arminianismo leva ao Teísmo Aberto é uma afirmação deveras absurda. Tal crença nunca fez parte do arminianismo clássico-wesleyano, sendo estranha ao mesmo. Por outro lado, cabe lembrar que o pai do Teísmo Aberto, Clark Pinnock, era originalmente de tradição calvinista! Por aceitar o pressuposto calvinista de que a onisciência divina implica necessariamente determinismo, e, ao mesmo tempo, em reação a este mesmo pressuposto equivocado, Pinnock concebeu o conceito de Teísmo Aberto. 

05) É comum encontrar no arraial cristão brasileiro ensinamentos estranhos à Bíblia. Por exemplo, em muitas pregações, afirma-se que antes da sua corrupção, o diabo era um querubim ungido no céu e maestro do coro celestial de anjos. Como alguém que também atua na área de demonologia, poderia nos dizer se isso tem respaldo nas Escrituras? A Bíblia ensina que o diabo era um querubim ungido?  

CAV: Em nosso contexto tupiniquim, temos experimentado uma verdadeira demoniomania de uns anos pra cá. Tal ênfase demasiada dada aos demônios é perigosa e, quando feita acriticamente, pode produzir verdadeiros absurdos teológicos. No que se refere à crença popular de que “o diabo era um querubim ungido”, tal concepção parece ser derivada da interpretação alegórica de Orígenes (II-III Sécs. d.C.) de Ezequiel 28, apesar deste se referir a Satanás simplesmente como “anjo” e não como “querubim”. Entretanto, no contexto do Antigo Oriente Médio, querubins eram retratados como criaturas híbridas semelhantes a esfinges, tendo o corpo de um animal, asas e a cabeça de um ser humano. Parece-me que Ezequiel 28 tem a intenção de representar o rei de Tiro ironicamente como um “guardião” de seu povo, mas que, na verdade, em vez de protege-lo acabou contribuindo (solidariamente com o próprio povo) para a sua ruína. Já a ideia de que Satanás era “maestro do coro celestial de anjos” é retirada de Ezequiel 28:13. Contudo, penso que a referência feita neste trecho a alguns instrumentos musicais se refira, não a Satanás como uma espécie de André Rieu pré-queda (risos), mas aluda, isto sim, ao dia em que o “deus-rei” de Tiro subiu ao trono, ocasião esta celebrada com muita música e festa. Em suma, a ideia de que o diabo era um “querubim-maestro” parece ser resultado mais de uma tradição interpretativa folclórico-alegórica popular da Bíblia do que fruto de exegese séria.  
06) O senhor tem trabalhado intensamente na exposição do Arminianismo entre os cristãos aqui do Brasil. Como tem sido essa experiência? Sente que ainda existem muitas dúvidas com relação ao Arminianismo? Se sim, o que o senhor tem feito para dar conta desse desafio? 

CAV: Sim, tenho falado com frequência sobre o Arminianismo a diversos públicos no Brasil. Aliás, nas próximas semanas discorrerei sobre esse tema em duas palestras, uma no Rio e outra na Paraíba. Essa experiência tem sido muito gratificante e, ao mesmo tempo, bastante desafiadora. Tenho notado especialmente dois tipos de postura quanto ao assunto. Primeiramente, as pessoas têm exibido um desejo muito grande de saber mais sobre esse sistema teológico. E, em segundo lugar, percebe-se, paralelamente, um desconhecimento profundo acerca da questão, até mesmo por parte de pastores e líderes de igrejas que, em tese, são arminianas. De modo geral, tenho notado um interesse cada vez maior das pessoas em querer saber exatamente o que é a teologia arminiana. Eu acho isso maravilhoso.    

07) A continuidade dos dons espirituais é um tema que novamente tem sido alvo de interesse e estudo. Qual sua perspectiva com relação aos dons? Bem sabemos que todo Pentecostal é continuísta, mas nem todo continuísta é Pentecostal. Como o senhor se encaixa dentro do terreno pneumatológico? 

CAV: Com relação aos dons, sou um continuísta convicto. Vejo o Cessacionismo como uma crença estranha e perigosa, para a qual não há o mínimo fundamento bíblico. Na verdade, o cessacionismo nada mais é do que uma crença baseada na experiência, ou seja, na experiência da ausência de experiências sobrenaturais por parte de seus proponentes e defensores. Entretanto, o cessacionismo não subsiste diante das evidências escriturísticas e históricas, que atestam amplamente a continuidade dos dons e das manifestações sobrenaturais ao longo da história da igreja. Comparo os cessacionistas aos peixes, que, por viverem sempre cercados pelas águas, não acreditam na existência de vida fora e acima de seu habitat natural aquoso... até serem pescados. Quando isso ocorre, eles descobrem que há vida além da superfície dos rios e dos mares. Em termos pneumatológicos, me defino como “carismático”, isto é, creio na atualidade de todos os charismata (dons), mas, diferentemente do pentecostalismo clássico, não acredito que o batismo com o Espírito Santo (ou “enchimento com o Espírito Santo”, como prefiro denomina-lo) deva ser acompanhado necessariamente pela evidência glossolálica. 

08) Quando se trata de tradução da Bíblia para a língua nativa, já podemos - graças a Deus - contar com várias delas em língua Portuguesa. Entretanto, na hora de estudar as Sagradas Escrituras muitos cristãos que não têm uma formação acadêmica, desejam uma tradução que mais se aproxime do “original”, ou melhor, daquilo que se depreende terem sido os originais. Como estudante das línguas bíblicas, o senhor certamente tem algo a nos dizer sobre isso. Essa preocupação precisa ser real? Existe alguma tradução em língua portuguesa que mais se aproxime do original? Se sim, qual delas? E o senhor, quando vai pregar utiliza qual versão da Bíblia? 

CAV: Tenho respondido a essas perguntas com bastante frequência. Na verdade, estas questões referentes às traduções bíblicas estão entre as dúvidas mais recorrentes entre os cristãos em geral. Quando falamos sobre traduções bíblicas, devemos esclarecer primeiramente que existem dois métodos principais de tradução da Bíblia: o método de equivalência formal/literal e o método de equivalência conceitual/dinâmica. (1) O método de equivalência formal busca seguir, na medida do possível, a forma da língua em que se encontra a mensagem original. Poderíamos enquadrar nesta classificação as traduções brasileiras da Bíblia conhecidas como ARC (Almeida, Revista e Corrigida) e ARA (Almeida, Revista e Atualizada), as quais buscam ser mais literais e seguir de perto a forma dos textos originais. (2) O método de equivalência conceitual, por sua vez, busca comunicar o significado exato da mensagem original, expressando-o de forma compatível com a língua receptora. Para esse método, traduzir o conceito por trás das palavras é mais importante do que seguir um literalismo rígido. Isto não quer dizer, entretanto, que não existam elementos formais e conceituais sobrepostos em ambas as metodologias. Quer dizer apenas que cada um desses métodos privilegia mais um pressuposto tradutivo do que o outro no seu processo de elaboração de uma tradução bíblica. Entre as Bíblias que seguem este segundo método tradutivo está a NVI (Nova Versão Internacional). Creio que os exemplos a seguir ajudarão a visualizar melhor as diferenças entre os dois métodos. Tomemos como exemplo Gênesis 1:1. Utilizando o método de equivalência formal, esse versículo seria traduzido assim: “No princípio, criou Deus os céus e a terra”. Já utilizando o método de equivalência conceitual, poderíamos traduzir esse mesmo versículo desse modo: “No princípio, Deus criou o Universo”. Neste primeiro versículo da Bíblia, “os céus e a terra” funcionam como uma sinédoque – figura de linguagem que é caracterizada normalmente por tomar a parte pelo todo e vice-versa. Na verdade, essas duas traduções estão dizendo a mesma coisa, mas com palavras e pressupostos tradutivos distintos. Ambas as traduções estão dizendo que Deus criou todo o cosmos. Em geral, eu diria que é difícil dizer qual tradução mais se aproxima do original, visto que esta é uma questão bastante subjetiva. Dependerá da predileção do leitor por traduções mais formais ou mais conceituais da Bíblia. Particularmente, diria que a ARA (Almeida, Revista e Atualizada) e a NVI (Nova Versão Internacional) são duas ótimas opções de traduções da Bíblia para o português. Quando prego, utilizo frequentemente a ARA. 

09) Algumas pessoas costumam dizer que sentem a impressão de que os autores bíblicos quando relatavam alguma adversidade ou calamidade, entendiam que elas procediam de Deus. Segundo elas, isso é perceptível principalmente no Antigo Testamento. Essa impressão durante a leitura bíblica é aparente ou é real? Se for real, porque os autores judeus escreveram dessa forma? Deus tem participação direta nas calamidades que acometem a humanidade? 

CAV: Antes de qualquer coisa, devemos conceituar o que você chama de “adversidade” ou “calamidade”. Em filosofia, costuma-se classificar os males existentes no mundo (os quais certamente se traduzem em adversidades e calamidades) em dois tipos: males morais (aqueles resultantes das escolhas intencionais humanas) e males naturais (doenças, acidentes, fenômenos da natureza etc). Embora entenda, por um lado, que Deus possa ter participação direta em vários fenômenos da natureza destrutivos (tais como, terremotos, maremotos, tufões etc) como forma de exercer o seu justo juízo divino contra o pecado, compreendo, por outro lado, no que tange aos males morais, que Deus apenas os permite. Com “permissão” quero me referir ao entendimento de que Deus permite a existência do pecado no sentido de que Ele permite que ele se realize, mas não o vê com aprovação e nem tampouco o deseja, mas apenas consente com o seu livre curso a fim de que os seres humanos possam exercer a sua liberdade divinamente concedida (quer para o bem, quer para o mal). Creio que Deus permite a existência do pecado por duas razões principais: primeira, (já previamente mencionada) para que a liberdade da vontade humana seja preservada. Caso contrário, os seres humanos não poderiam ser responsáveis por seus atos. Em segundo lugar, creio que Deus só permite o mal porque, de algum modo, ainda que desconhecido por nós, Ele pode produzir algum tipo de bem a partir dele.

Quanto à maneira dos judeus descreverem a origem dos males no Antigo Testamento, deve-se salientar que, de acordo com o pensamento hebraico, o que quer que Deus permita, Ele é visto como cometendo-o. Contudo, tal ação divina deve ser entendida, muitas vezes, como uma forma de exprimir a divina permissão. Para poder explicar melhor essa questão temos que levar em consideração a chamada “revelação progressiva” divina, que é definida por Zuck (A Interpretação Bíblica, p.85) nesses termos: “[a] uma informação que pode ter sido parcial [anteriormente] foi acrescentada [outra informação] posteriormente, de sorte que a revelação ficou mais completa”. Tendo essa definição em mente, gostaria de responder à sua questão valendo-me de três textos bíblicos como exemplos do que quero dizer. Em um estágio anterior da revelação bíblica, 2 Samuel 24:1 diz que o “Senhor” incitou Davi a realizar um censo e, ao mesmo tempo, o puniu por isso. Entretanto, em um estágio posterior da revelação, mais precisamente em 1 Crônicas 21:1, somos informados de que, na verdade, foi “Satanás” quem fez isso. Ora, como podemos harmonizar essa aparente contradição? Um argumento baseado na analogia fidei nos ajuda a responder a questão. O livro de Jó, nos capítulos 1 e 2, nos diz que todos os males causados na vida e família de Jó foram realizados por Satanás, mas sob a permissão divina. Entretanto, Jó (e seus parentes e amigos) parece não ter a menor ideia da existência de um ser chamado Satanás, de modo que, num certo sentido, ele atribui equivocadamente a origem de todos os seus males a Deus, e não ao diabo. Entretanto, Jó age assim porque, diferentemente de nós, ele não leu o livro que leva o seu próprio nome! Se o tivesse feito, ele saberia que o verdadeiro responsável por todos os males que lhe sobrevieram foi Satanás. Creio que esse mesmo conceito esteja por trás dos primeiros dois textos citados. Portanto, a solução mais adequada para a dificuldade bíblica acima mencionada seria: Satanás incitou Davi a realizar o censo, mas o fez sob a permissão de Deus. Contudo, essa interpretação é construída tendo como base o texto auxiliar de Jó, a partir do qual infere-se e projeta-se a mesma interpretação sobre os textos de 2 Samuel 24:1 e 1 Crônicas 21:1. Em linhas gerais, e respondendo à sua pergunta mais especificamente, sim, Deus tem participação nas calamidades que acometem a humanidade, quer permitindo-as, quer agindo ativamente na sua execução a fim de exercer os Seus justos juízos. 

10) Assim como Armínio, acredito que a fé salvífica seja um dom de Deus, não no sentido de que ela seja dada de forma irresistível e compulsiva, porém de maneira amorosa e que capacita o homem a crer em Jesus e consequentemente ser salvo. A Bíblia apresenta a fé como sendo um instrumento pelo qual Deus salva o homem e que ela vem através da pregação do evangelho. Diante dessa realidade, como fica a questão dos não-evangelizados? Como poderão crer se não ouviram ainda a palavra da salvação? Como o senhor entende essa questão da fé como um dom e como um elemento essencial para a salvação? 

CAV: Concordo com você quanto ao fato de a fé ser um dom de Deus, mas não no sentido calvinista, como um dom dado apenas a alguns indivíduos de forma incondicional, ou melhor dizendo, de forma arbitrária e injusta. No que diz respeito aos povos não-evangelizados, creio que Deus seria absolutamente injusto se utilizasse como critério para a salvação deles a fé em Cristo (assim como seria injusto usar a fé em Cristo como critério de salvação para os bebês e os portadores de debilidades mentais). Deus poderia julgar e condenar de forma justa aqueles que não creram em Cristo, quando, na verdade, eles nunca ouviram falar de Cristo? Penso que não. Neste caso, creio que Romanos 1 e 2 talvez nos ajude a lançar maior luz sobre a questão. Segundo estes dois capítulos da Bíblia, Deus julgará as pessoas de acordo com a informação autorrevelada dEle que elas tiverem. Neste caso, tais informações são oriundas de duas fontes: a natureza (Romanos 1) e a consciência (Romanos 2), sendo o conjunto de ambas conhecido como “revelação geral”. Desse modo, entendo que mesmo nos lugares onde a mensagem do Evangelho é desconhecida, a salvação seja possível a qualquer um que responda em fé a autorrevelação geral de Deus, na natureza e na consciência. Em outras palavras, a fé em Cristo é o critério para a salvação daqueles que ouviram falar de Cristo e que podem responder à mensagem ouvida. A fé em Cristo não pode ser o critério para a salvação daqueles que nunca ouviram falar de Cristo e/ou não podem responder à mensagem do evangelho (p.ex., personagens veterotestamentários, povos não-evangelizados, criancinhas e portadores de deficiências mentais). Entretanto, todos aqueles que vierem a ser salvos só o serão em razão da morte expiatória de Cristo, ainda que não tenham um conhecimento consciente desse fato. Talvez um exemplo mais claro se faça necessário aqui. A salvação no Antigo Testamento se dava da mesma forma como no Novo Testamento, ou seja, pela graça, mediante a fé. Contudo, o conteúdo dessa fé era distinto em ambos os casos. No AT, a salvação se dava pela fé em Yahweh (e não em Jesus, pois este ainda nem existia enquanto personagem histórica, i.e., como Jesus de Nazaré). Já no NT, a salvação se dá pela fé em Cristo. Em resumo, eu diria que uma fé-resposta, proporcionada pela graça divina, é imprescindível para a salvação daqueles que podem responder em fé, mas não é necessária para aqueles que não podem responder desta forma (p.ex., bebês e portadores de deficiências mentais). Uma outra resposta possível (ainda que hipotética) seria dizer que os não-evangelizados jamais creriam no evangelho ainda que o ouvissem. Neste caso, Deus teria organizado o mundo de tal maneira que aqueles que Ele sabia de antemão que creriam no evangelho, caso o tivessem ouvido, nasceriam num tempo e lugar da história nos quais tal fé-resposta lhes seria possibilitada. Por outro lado, Deus também pode ter organizado providencialmente o mundo de tal modo que aqueles que Ele conhecia previamente que nunca creriam no evangelho, mesmo se o tivessem ouvido, nasceriam em um tempo e lugar da história nos quais tal fé-resposta não lhes fosse possível (não por causa de algum decreto divino oculto que os impedisse de serem salvos e nem tampouco porque Deus não intencionou alcança-los com a mensagem graciosa do evangelho, mas simplesmente porque Deus já sabia que eles rejeitariam livremente a Sua salvação). Em resumo, é isso.  

Atenciosamente, Esquina da Teologia Pentecostal.

17 de julho de 2017

Entrevista exclusiva com o Pastor José Gonçalves



Por Everton Edvaldo 

O blog Esquina da Teologia Pentecostal entrevista hoje o pastor José Gonçalves. Ele é pastor da Assembleia de Deus de Água Branca (PI), escritor, articulista e comentarista de Lições Bíblicas de Adultos da CPAD. 

01) Esquina da Teologia Pentecostal: A sua trajetória como escritor, pastor e expositor da Palavra de Deus é bastante notória entre os pentecostais. Já faz muitos anos que o senhor tem se dedicado à essa tarefa que apesar de ser trabalhosa, é realizada com tanta dedicação. Acredito que no início da sua caminhada cristã, tenha enfrentado vários desafios para chegar até aqui. Pode nos revelar, quais desses desafios o senhor teve que enfrentar por causa do Evangelho de Cristo? 

Pastor José Gonçalves: Antes de ingressar no ministério pastoral de tempo integral eu era um funcionário público da esfera Federal. Nunca havia imaginado ser um pastor, nem mesmo gostava de pensar nessa ideia e mais, sentia-me desconfortável quando alguém insinuava isso! Todavia, mesmo tendo o tempo limitado pela função pública que exercia, sempre procurei ser dedicado na obra de Deus. Foi querendo aprender mais da palavra de Deus que ingressei no Seminário Batista de Teresina, onde bacharelei-me em Teologia e sendo considerado o melhor aluno de grego bíblico da história do Seminário até então. Na sequência ingressei na faculdade de Filosofia na Universidade Federal do Piauí, onde formei-me com Laura Universitária.

A minha chamada pastoral e o meu ingresso no ministério pastoral de tempo integral foi algo que o Senhor tratou diretamente comigo. Certo dia eu estava orando no templo da igreja na qual me congregava e enquanto orava em línguas, veio-me a interpretação: EU TENHO UMA ALIANÇA MINISTERIAL COM VOCÊ. Oito anos depois fui procurado por meu pastor que me informou estar sentindo de Deus apresentar-me na Convenção para o ministério de evangelista. Dias depois, enquanto eu orava buscando uma resposta de Deus acerca daquela proposta, perguntei ao Senhor sobre esse convite. Imediatamente Ele me perguntou: “Você me ama?” – “Sim, Senhor!” Respondi. Então Ele falou: “Vá para a Convenção”. Naquela semana eu estava sendo consagrado ao ministério. Dias depois dirigi-me ao órgão público no qual trabalhava para pedir desligamento. 

02) Esquina da Teologia Pentecostal: Como autor de tantos livros e uma referência entre os pentecostais brasileiros, você sempre procura trazer em seus trabalhos, um conteúdo que além de ser bíblico, seja acessível e de qualidade para seus leitores. Podemos constatar tais características em cada livro que você publica. Na sua perspectiva, quais são as características que um pregador/escritor pentecostal deve possuir? 

Pastor José Gonçalves: A minha caminhada como escritor coincide com a minha chamada pastoral. Logo após ingressar no ministério pastoral de tempo integral, e abandonar o serviço público Federal, veio-me o desejo de escrever aquilo que eu achava ser relevante para a vida cristã. Em 2002 lancei o meu primeiro livro, intitulado: Missões: o mundo pede socorro (Ed. Halley) com o propósito de angariar fundos para o departamento de missões de nossa igreja do qual eu era o secretário. O livro foi bem aceito e motivou-me enviar para a CPAD outros textos que, concomitantemente, eu havia escrito nessa época. Foi nesse período também que fui convidado para escrever o meu primeiro artigo em um periódico da CPAD. Algum tempo depois fui informado por essa editora que o livro: Por que Caem os Valentes? havia sido aprovado e que seria publicado posteriormente, o que de fato, ocorreu em 2006.  A aceitação desse livro foi surpreendente, fato que levou a editora produzir outras edições. Depois do lançamento desse livro fui convidado para ser comentarista das Lições Bíblicas da EBD, estreando com a revista: Davi: vitórias e derrotas de um homem de Deus em 2009. Outras obras se seguiram a essa. 

Para mim a escrita é um ministério. Na verdade, o Senhor falou, muito antes de começar a publicar o que escrevi, que eu iria até mesmo admirar-me da forma como Ele me usaria no ministério da escrita. Portanto, sou consciente que administro uma graça de Deus que me foi dada e que nada posso por mim mesmo. Procurou fazer com qualidade aquilo que o Senhor me confiou e para isso aprendi a investir em qualquer coisa que possa trazer aprimoramento a esse ministério. 

03) Esquina da Teologia Pentecostal: Representando a maioria do evangelismo brasileiro, os pentecostais são muitas vezes taxados como cristãos que não gostam de estudar as Escrituras e que valorizam a experiência em detrimento da Palavra de Deus. Como pastor há tantos anos, de um rebanho composto por pentecostais, poderia nos dizer se isso é verdade? O Pentecostalismo supervaloriza as experiências em detrimento do estudo sério e contínuo das Sagradas Escrituras? 

Pastor José Gonçalves: O termo “pentecostal” é muito abrangente, envolvendo pentecostais clássicos, carismáticos e mais recentemente a terceira onda. Dentro desse universo há tradições pentecostais que se distanciaram da cultura e desenvolveram uma atitude de reserva quanto a mesma. Isso tinha uma razão de ser – os pentecostais, na sua grande maioria, vieram de movimentos periféricos, que não tinham muita aceitação dentro do que comumente se denominou de protestantismo histórico. Por outro lado, os pentecostais viam também com reserva muitas dessas igrejas históricas, achando que as mesmas haviam se mundanizado e se secularizado, o que eles associaram à cultura. O que era uma verdade. Todavia, isso não é uma verdade absoluta quanto a todo o movimento. Os pentecostais clássicos logo viram a necessidade de buscar um aprofundamento no estudo sistemático da palavra de Deus. Esse fato foi favorecido pela conversão ao pentecostalismo de muitos líderes pertencentes ao protestantismo histórico. Esses líderes, que possuíam formação acadêmica fomentaram o estudo das Escrituras levando em conta as ferramentas da teologia. Gunnar Vingren, fundador das Assembleias de Deus no Brasil, por exemplo, já havia obtido formação em Teologia quando aqui chegou.  

04) Esquina da Teologia Pentecostal: Desde o avivamento da Rua Azuza, a chama pentecostal ganhou o mundo e tem produzido frutos incontáveis. Desde então, milhares de vidas são impactadas com Evangelho da graça, são libertas do pecado, salvas, batizadas com o Espírito Santo, discipuladas e fortalecidas no corpo de Cristo. Por outro lado, as estratégias malignas estão sendo constantemente intensificadas contra a igreja de Cristo. As seitas estão crescendo e muitos "evangelhos" estão sendo fabricados disfarçados da verdade. No meio dessas duas realidades, há quem diga que Jesus voltará quando a igreja estiver em apostasia e na mente delas, já que a apostasia é um sinal de que a volta de Jesus está próxima, não precisamos se preocupar com tais acontecimentos pois tudo não passa de um cumprimento da Palavra de Deus. Como o senhor enxerga essa questão? Devemos nos preocupar com os males que assolam a igreja? 

Pastor José Gonçalves: Por ocasião do dia de Pentecostes, o apóstolo Pedro falou que aquele evento fazia parte dos “últimos dias” (At 2.17). A vinda do Messias, e sua consequente morte e ressurreição, provocou a entrada da igreja na era escatológica. O tempo do fim, portanto, estava inaugurado. O relógio de Deus está em contagem regressiva. Não temos como fugir dessa realidade. O que vemos a partir de então é um crescimento da iniquidade e apostasia. Todavia, a igreja foi capacitada no Pentecostes para enfrentar essa “era”. O problema surge quando a igreja perde o foco e começa a miliar fora do seu curso. Parece que é o que estamos vendo hoje. Muitas vezes parece que a igreja quer mudar o Sistema através do Sistema. Outras vezes, há uma espécie de fogo amigo. Muitos cristãos, por exemplo, usam as redes sociais para se digladiarem, não sabendo que seu inimigo não é um outro cristão, mas o diabo. É momento de nos unirmos para enfrentarmos um inimigo, que apesar de já está sentenciado, ainda não foi aprisionado.   

05) Esquina da Teologia Pentecostal: Certamente, é preciso ser sábio para conciliar o trabalho, com a igreja e com a família. É um desafio! Então, como você tem feito para administrar seu tempo sem negligenciar uma dessas três áreas?  

Pr José Gonçalves: No meu caso eu renunciei a carreira pública para me dedicar ao ministério de tempo integral. Ninguém me mandou, nem mesmo fui encorajado para isso. Foi uma decisão pessoal. Todavia nunca me arrependi dessa escolha. Em tudo tenho sido abençoado pelo Senhor. No ministério de tempo integral passei a ser pastor, escritor (mestre) e também palestrante (pregador). Esse fato fez com que eu montasse uma equipe forte que me dá sustentação. Para que a igreja não seja sacrificada atendo um ou no máximo dois convites por mês. 

06) Esquina da Teologia Pentecostal: Tenho a impressão de que a pergunta que farei agora, é curiosidade de qualquer pessoa que admira e lê suas obras. Em média, você passa quanto tempo escrevendo um livro?   

Pr José Gonçalves: Isso é relativo. Rsrsrs. Tenho livros que escrevi em 15 dias, enquanto outros levei anos para escrever. O fato é que costumo trabalhar rápido e quando sob pressão mais rápido ainda. 

07) Esquina da Teologia Pentecostal: Nos últimos anos, muito se tem investido na tradução de obras de autores carismáticos, pentecostais e continuístas. Como sei que o senhor é atualíssimo quando o assunto é pneumatologia, gostaria de saber se tem acompanhado esse processo. O senhor tem lido/avaliado essas obras? O que tem a nos dizer?

Pastor José Gonçalves: Sim. Alegro-me por esse despertar para a teologia pentecostal. Nossa editora (CPAD) tem feito um esforço gigantesco para colocar nas mãos de nosso povo obras de qualidade e que representem o pensamento pentecostal clássico. Outras editoras têm feito o mesmo.  Fico feliz porque tenho o prazer de ver traduzidas em português obras que já há algum tempo eu dispunha em inglês. Esse fato merece ser louvado. 

08) Esquina da Teologia Pentecostal: Quais benefícios um cristão desfruta quando é aluno assíduo da Escola Bíblica Dominical? 

Pastor José Gonçalves: Muitos! Uma estatística feita entre grandes líderes cristãos na América do Norte, constatou-se o fato que 94% deles foram alunos da Escola Dominical. A EBD é o grande Seminário da igreja. É nela que os crentes aprendem de forma sistematizada as doutrinas bíblicas e consequentemente fundamentam a sua fé. Vejo com desconfiança o discipulado de igrejas que aboliram a EBD. 

09) Esquina da Teologia Pentecostal: Por fim, gostaria que falasse o que lhe atraiu na Teologia Pentecostal Clássica e que faz você vivê-la com tanto amor e empenho.  

Pastor José Gonçalves: Converti-me em 1983 nas Assembleias de Deus e todo esse tempo convivi com a doutrina pentecostal clássica. Tive minha experiência pentecostal com o Espírito Santo, falando em línguas, ainda nos primeiros anos de minha conversão. Fui ensinado a ter um zelo pela santificação, dons espirituais e evangelismo. Para mim é muito tarde para alguém me dizer que os dons espirituais não são para hoje. Todos esses anos vi eles sendo exercitados e ainda continuo vendo. Vou contar apenas um fato para ilustrar a praticidade dos dons na vida da igreja. Certa vez eu visitava uma irmã e quando já me despedia para ir embora, ela solicitou que fizéssemos uma oração. Enquanto orávamos eu vi uma grande porta na minha frente que se encontrava fechada e com uma trave (um tipo de tramela usada em portas aqui no Nordeste) que a fechava. Quando terminamos a oração eu disse: “irmã eu vi uma porta grande fechada”. Aquela irmã começou a chorar e disse: “É a aposentadoria do meu marido que já veio negada três vezes”. Eu percebi que eles iriam desistir de orar em prol daquele objetivo. Então o Senhor falou comigo naquele momento: “Diga pra ela que continue orando que a tramela vai quebrar e a porta vai abrir”. Foi o que aconteceu. Pouco tempo depois aquele irmão estava aposentado.! Glória Deus. 

Atenciosamente, Esquina da Teologia Pentecostal.  

15 de julho de 2017

Entrevista exclusiva com Thiago Titillo



Por Everton Edvaldo.

O nosso blog teve a oportunidade de entrevistar o pastor, escritor e teólogo Thiago Velozo Titillo. Titillo é pastor batista, especialista em Teologia Bíblia e Sistemática-Pastoral pela Faculdade Batista do Rio de Janeiro, graduado em Teologia pelo Seminário Teológico Betel e licenciado em Letras pela Universidade Estácio de Sá. Concluiu o curso de grego (livre) pela Faculdade de São Bento do Rio de Janeiro. Leciona na rede estadual de ensino (SEEDUC-RJ), no Seminário Teológico Betel e no Seminário Teológico Peniel. Casado com Danielly e pai de Yasmim, é pastor auxiliar da Igreja Batista Memorial do Catumbi. Autor de três livros, Titillo não hesitou em responder nossas perguntas.

01) Thiago Titillo, sabemos que hoje, muitos cristãos estão despertando o interesse pela leitura da Bíblia, de livros que falam sobre Deus e Jesus. Isso é uma ótima notícia! E como investigadores que são, os leitores gostam de conhecer bem a trajetória daqueles que hoje são referências no Estudo das Sagradas Escrituras. Como referência e uma grande  influencia teológica na cristandade brasileira, revele-nos quando e como surgiu sua paixão pela leitura da Bíblia e livros de teologia?

R=  Por volta dos 16-17 anos, comecei a sentir um vazio e uma falta de sentido em minha vida. Naturalmente, a vida só faz sentido quando estamos cumprindo o propósito para o qual fomos criados, a saber, adorar e servir a Deus. Embora eu já tivesse consciência dos meus pecados e – de alguma forma – cresse em Cristo, faltava-me uma relação íntima e pessoal com Ele. A leitura bíblica nasceu daí: de uma vontade de conhecer mais a Deus e se relacionar com Ele de perto. Nessa época, o pastor da minha Igreja que eu congregava – Carlos Eufrázio da Cruz – colocou-me para cuidar da Biblioteca da Igreja Batista Central do Rio de Janeiro. Até hoje não sei se foi por acaso, ou se ele percebia em mim um espírito inquiridor que poderia se desenvolver a serviço do Reino a partir da leitura teológica (pretendo pergunta-lo ainda!). Sei que foi nessa ocasião que comecei a ler os livros de Teologia na Biblioteca da Igreja. O primeiro foi o clássico Esboço de Teologia Sistemática, de Alva Bee Langston. E não parou mais...

02) Com três livros escritos e uma ótima bagagem acadêmica, você tem se destacado, sobretudo, pela produção de conteúdo e material que giram em torno do Arminianismo. Além disso, quais outras áreas da teologia que te chamam atenção e que você particularmente ama estudar e escrever?

R= Amo estudar patrística (meu primeiro livro, inclusive, foi nessa área) e a teologia da Reforma. Outra área de interesse é a escatologia. Meu artigo final da Pós-Graduação, inclusive, juntou duas de minhas paixões: patrística e escatologia. Trabalhei as expectativas escatológicas em Policarpo e Papias. A pedido do meu orientador, o Dr. Valtair Miranda – uma das maiores autoridades em escatologia judaico-cristã – meu artigo foi publicado na Revista Pós-Escrito, publicação eletrônica da Faculdade Batista do Rio de Janeiro. Inclusive, após a publicação de Jamais Perecerão, deve pintar uma obra introdutória sobre Apocalipse, no ano que vem...

03) Por muito tempo, os cristãos brasileiros desconheciam a teologia arminiana, em geral. Aconteceu que, com redescobrimento, ou melhor, a ênfase por conhecer,  traduzir livros e materiais sobre o arminianismo no Brasil, houve uma aproximação entre os irmãos de variadas tradições evangélicas. Por exemplo, o arminianismo favoreceu a frequência do diálogo entre metodistas, assembleanos e outros irmãos de outras denominações. Como Batista que é, você tem sentido esse impacto? Se sim, como tem sido essa experiência e na sua opinião, qual fator principal da teologia arminiana tem favorecido este diálogo que viabiliza tanto a comunhão, a unidade e a tolerância?

R= Minha denominação em particular, é arminiana. Os batistas brasileiros são arminianos de maneira geral, mas rejeitam o rótulo. Dizem: “Não somos calvinistas nem arminianos, somos bíblicos”. Esse padrão repete o modelo dos arminianos batistas norte-americanos, como por exemplo, Henry Clarence Thiessen (no passado) e Norman Geisler (presentemente). Alguns batistas, como Roger Olson, não têm problemas em assumir sua herança soteriológica. Eu também não tenho. Se os batistas calvinistas não têm, por que eu deveria ter? Os batistas dos EUA, em especial na Convenção do Sul, estão divididos entre calvinistas e não-calvinistas (arminianos). Aqui a realidade é outra. Há alguns batistas calvinistas de renome, mas são poucos comparados ao número de pastores batistas arminianos dentro da denominação. Contudo, tenho sido convidado muito mais frequentemente para ministrar em Assembleias de Deus sobre o assunto do que no meio batista. Talvez pela postura de querer “ser bíblico” e não seguir “doutrinas de homens”. Um purismo desnecessário. E tem sido uma alegria muito grande comungar com servos de Deus de outros arraiais denominacionais. O próprio espírito de tolerância arminiano promove essa troca. Com algumas desonrosas exceções (em especial nas redes sociais), aqueles que se permitem influenciar pela soteriologia de Armínio, são também influenciados pelo seu espírito pacifista.

04) Seu recente livro escrito:  "Jamais Perecerão", aborda um dos assuntos mais polêmicos do cristianismo ao longo dos séculos. Que tal contar-nos um pouco sobre elaboração desse trabalho? Como surgiu a ideia de lançar um livro sobre esse tema? Levando em consideração que o ponto de vista que você defende no livro, não é encarado com bons olhos pela maioria dos cristãos no Brasil, qual a sua expectativa com relação à reação do público com seu livro e quais conselhos você dá para aqueles que creem diferente de você e que vão lê-lo?

R= Essa obra surgiu de um questionamento em sala de aula a respeito do pensamento de Martinho Lutero sobre o assunto. Eu estava falando sobre a teologia de Martinho Lutero em uma aula de História do Cristianismo, e por fim, tornou-se uma aula de exegese de textos selecionados. Eu discordo de que o tema que eu abordo no livro seja visto com maus olhos pela maioria dos evangélicos brasileiros. Eu acrescentaria “arminianos” à “evangélicos”. Sim, a visão que eu defendo é minoritária entre os arminianos. Mas é a visão majoritária dos batistas, e também defendida pelas igrejas calvinistas. Creio que há um equilíbrio neste ponto. O meu conselho para os que irão ler a obra e não defendem o mesmo ponto de vista é: seja bereano. Leia de coração aberto e confira se as Escrituras são assim mesmo. E vai outro conselho, em especial, para quem critica antes de ler: leia primeiro.

05) Sobre debates na área da soteriologia, as redes sociais têm facilitado bastante esse tipo de prática. Algumas pessoas usam-na de forma sensata para expor, explicar e dialogar. Já outras, usam-na com o objetivo de se auto-promover, propagar contendas, etc. Como você se posiciona em relação a essa repercussão no ambiente virtual?

R= Eu busco evitar pessoas e páginas que promovem contendas ao invés de instrução sadia e em amor. Eu apenas evito aproximação.

06) Atualmente, muito se fala na doutrina do amor de Deus. Há quem escreva sobre a intensidade e a extensão desse amor, principalmente os arminianos. Você não poderia ficar de fora não é mesmo?  Na sua perspectiva, o que a Bíblia revela sobre "Amor de Deus e o Deus de amor"?

R= Entendo que o amor é um atributo de Deus tão importante quanto os outros, mas não menos ou mais importante. A Bíblia diz que Deus é amor, mas Deus também é Santo e justo. Um Deus verdadeiramente amoroso ama com amor salvífico todas as suas criaturas, mas pode condená-las por ser justo, caso não correspondam. Qualquer coisa menor do que isso lança sobre o amor de Deus terríveis sombras.

07) Sobre sua devoção ao Estudo da Bíblia, gostaríamos de saber um pouco do seu relacionamento com a Palavra de Deus. Sendo assim, nos conte qual livro da Bíblia você gosta mais de ler/estudar. Qual personagem dela (além de Jesus) te inspira na caminhada cristã e nos cite o nome de um teólogo que teve grande influencia na sua formação acadêmica.

R= Depois de Jesus Cristo, o personagem bíblico que mais admiro é Paulo. Ultimamente tenho lido/estudado mais o livro do Apocalipse, mas amo os Evangelhos e os Salmos. Amo a Bíblia inteira (rs). Em minha opinião, o maior teólogo da Igreja de todos os tempos foi Agostinho. Sua influência permeia todas as tradições cristãs.

08) Falando em teólogo, Jacó Armínio foi sem dúvida, um excelente exegeta das Escrituras. Além de respeitoso e eloquente, Armínio se destaca pelas várias virtudes que cultivou ao pés do SENHOR. Qual delas te chama mais atenção, quando você está lendo uma obra ou texto dele?

R= Certamente o espírito pacificador e o tom e irênico, mesmo diante da oposição.

09) Como dinâmico que é, acredito que ainda contribuirá muito para a teologia bíblica. Em relação ao 'futuro', você tem alguma coisa que queira realizar? Irá continuar escrevendo? Algo que possa nos revelar?

R= Tenho muitos objetivos. Pastoreei uma Congregação (2011-2012) e depois servi em alguns ministérios auxiliares. Pretendo retomar a experiência do pastorado titular de uma Igreja. Tenho orado para que Deus me direcione nesse sentido. Como escritor, estou rabiscando algo sobre o livro do Apocalipse. Acredito que sairá em 2018. Pretendo ainda dar continuidade à minha carreira acadêmica, iniciando o mestrado em Teologia. Buscando no Senhor a Sua vontade para minha vida.

10) Por fim, gostaríamos que desse uma palavra de encorajamento aos leitores que admiram seu trabalho e aos seguidores da Esquina da Teologia Pentecostal.

R= Galera, vamos buscar a cada dia conhecer mais a Bíblia e a Teologia. Mas que isso aumente a nossa piedade e nos aproxime mais de Deus. Que o conhecimento seja razão para uma vida santa e madura, aplicando no dia-a-dia aquilo que aprendemos na Palavra (Tiago 1.22-25). Do contrário, de nada valerá...

8 de julho de 2017

A Excelência de Davi no campo





Por Everton Edvaldo 

Introdução: Eu costumo ficar impressionado com a precisão e grandeza da Bíblia Sagrada em todos os aspectos. Ela fala a respeito das virtudes e falhas de personagens que cita. Ela também ensina que nas virtudes,  toda graça, mérito e louvor deve ser atribuído a Deus e toda maldade, pecado e erro ao homem. É assim que a Palavra de Deus fornece o pano de fundo de vários personagens bíblicos. Entre eles, há um que é exaustivamente conhecido por nós: rei Davi. A vida desse homem já foi retratada em filmes, livros e documentários e hoje é um dos personagens mais abordados pelas pregações nas igrejas. Confesso: falar sobre Davi não é fácil! É um tremendo desafio. Primeiro, devido à grande quantidade de material, informações e episódios que a Bíblia fornece sobre ele. Segundo, Davi é um personagem marcante. Há várias passagens com eventos importantes e cruciais da Bíblia, onde Davi está presente como principal protagonista dela. Segundo Charles R. Swindoll, na Bíblia, se escreveu mais a respeito de Davi do que sobre qualquer outro personagem bíblico. Ele endossa:

"Você ficaria surpreso se soubesse que se escreveu mais a respeito de Davi do que sobre qualquer outro personagem bíblico? Cerca de 14 capítulos foram dedicados à vida de Abraão e também de José; Jacó, 11 e Elias, dez. Você imagina, porém, quantos foram dedicados a Davi? Sessenta e seis, se meus cálculos estão corretos, e isto não inclui cerca de 59 referências à sua vida no Novo Testamento." (SWINDOLL p. 20,21).

Devido a isso, é comum se aventurarmos em escolher uma passagem ou período da vida de Davi para comentar algo e extrair lições. É basicamente isso que farei nesse artigo.

Vamos transportar nossa mente à cidade de Belém dos dias de Davi, conhecer seu cotidiano, trabalho e papel desempenhado naqueles dias. Já que as Escrituras fornecem algumas informações sobre essa época da vida de Davi, vamos dissecá-las para extrairmos algumas lições extraordinárias que Deus ensinou a Davi e sem dúvida, fará o mesmo conosco. Boa leitura!

I- INFORMAÇÕES BÁSICAS SOBRE DAVI:

Não é possível nós reconstruirmos exatamente tudo quanto aconteceu na infância e adolescência de Davi, porém temos algumas pistas. O nome "Davi" assume o significado de amado. Este era o nome de um dos filhos de Jessé, o belemita. Bisneto de Rute, a Bíblia relata que Davi era o mais moço entre os seus irmãos (1 Sm 16.11). Morava em Belém da tribo de Judá e sua família pertencia a essa tribo.

1. Sua aparência. Sobre sua aparência a Bíblia diz: "Ele era ruivo, de belos olhos e boa aparência." (1 Samuel 16.12). Formoso de semblante e bonitos aos olhos.

2. Sua família. A Bíblia não fala o nome de sua mãe, porém fala dos seus irmãos, irmãs e pai. Segundo 1 Crônicas 2.13-16, seus irmãos eram:

• Eliabe (ou Eliú 1 Cro 27.18), 

• Abinadabe,

• Samá (ou Simea, 2 Sm 13.3 ou Simei, 2, Sm 21.21),

• Natanael,

• Radai,

• Ozém.

Seu pai era Jessé e suas irmãs se chamavam: Zeruia e Abigail.

Existe uma discussão entre os estudiosos, sobre se Davi era o oitavo ou o sétimo filho de Jessé, mas isso é assunto para outro artigo. (Obs: 1 Samuel 16.10 dá a entender que Davi era o oitavo filho e 1 Samuel 17.12 diz que ele teve oito filhos, já 1 Crônicas 2.15, classifica Davi como o sétimo). O que é certo é que ele era o mais moço entre seus irmãos (1 Samuel 16.11; 17.14).

3. Sua criação. Ao que parece, Davi é mais um entre aqueles vários personagens da Bíblia que foram criados no conhecimento do SENHOR. Obviamente, Jessé criou Davi debaixo da mesma orientação com qual criou seus outros filhos.

4. O relacionamento entre a família. Como chefe de família, Jessé era o principal provedor do seu lar. Entretanto, isso não impedia que seus filhos o ajudassem nas atividades dentro e fora de casa. No caso dos outros filhos de Jessé, a Bíblia não relata qual papel eles desempenhavam na Família antes de Davi ser ungido como rei em 1 Samuel 16.

Ainda sobre Jessé, ela diz que ele era "velho e adiantado em anos entre os homens" (1 Samuel 17.12), provavelmente um daqueles anciãos citados em 1 Samuel 16.4.

Acontece que Jessé entrega a seu filho mais novo, a incumbência de cuidar das ovelhas da família. (Obs: era comum as famílias mais pobres usarem os filhos menores para cuidarem das ovelhas). Então Davi não hesita em obedecer e vai!

Foi assim que houve uma das primeiras transições importantes na vida de Davi: Da casa para o campo.

Será que ele já tinha visto seus pais, irmãos ou outras pessoas cuidando de ovelhas? Não temos a resposta para essa pergunta na Bíblia, mas é provável que isso tenha acontecido. De uma coisa é certa: no campo não haveria "papai nem mamãe", seria só Davi e as ovelhas.

Agora, Davi passaria a maioria do seu tempo com as ovelhas, longe de casa, pois iria exercer as atividades de um pastor.

II- A ATIVIDADE DELE COMO PASTOR DE OVELHAS:

O que fazia Davi no campo? Qual era seu papel? O que aprendeu no período em que esteve por lá?

Nessa época, Davi viveu um dos períodos mais incríveis da sua vida apascentando as ovelhas. Sobre "apascentar as ovelhas", o comentário Beacon diz que era "uma tarefa servil designada ao filho menos importante ou aos empregados do dono da casa." (Comentário Bíblico Beacon. Vol. 2: Josué a Ester. Rio de Janeiro: CPAD, 2005, p. 208).

Entretanto, estar no campo com as ovelhas, serviu como "escola de Deus" para Davi. Não sabemos quanto tempo passou cuidando das ovelhas, mas o período em que viveu essa experiência lhe trouxe vários frutos. Ali, seu caráter seria forjado e preparado para o que lhe seria entregue mais tarde. Davi estava  obedecendo seu pai, cuidando de algo que lhe foi confiado. Essa era sua missão!

Com isso concluímos que Davi era um moço obediente aos seus pais, sempre disponível para cuidar das coisas de casa e ajudar no que for preciso. Talvez alguém até imaginasse que Davi estaria fazendo algo insignificante e normal para seus pais, porém Deus estava contemplando tudo.

Aqui se confirma o entendimento de que Deus usa as coisas pequenas e insignificantes para manifestar Sua glória aos seus. Deus estava lá o tempo todo! Veremos isso já já!

Mas antes, permita-me responder algumas perguntas:

1. Como era o rebanho de Davi? Conforme lemos em 1 Samuel 17.28; o rebanho de Davi era composto por poucas ovelhas. Não havia uma quantidade grande de ovelhas para cuidar, mas elas certamente eram significantes para a renda e o sustento da família.

2. Qual a utilidade das ovelhas para a família de Davi?

Das ovelhas poderiam ser aproveitados:

• A carne. "A carne das ovelhas, diferente do caso dos bodes, é boa tanto nos animais pequenos como nos já desenvolvidos. (...) as ovelhas são ruminantes dotadas de patas bipartidas, pelo que provêm uma carne limpa e saudável, que fazia parte importante da dieta dos hebreus..." (CHAMPLIM, p. 648, 649).

• A lã. Utilizada, às vezes, para fazer roupas.

• Os Chifres. Usado como recipiente para armazenar óleo. Também era usado para fazer trombetas ou buzinas.

• Forneciam leite. Com o leite podia-se fazer queijo.

Além disso, podia-se usar as ovelhas para estrumar os campos de pastagem.

3. Qual o ambiente onde ele cuidava das ovelhas? A Bíblia cita pelo menos um dos lugares como ambiente de trabalho de Davi, isto é, o deserto (1 Samuel 17.28). Contudo, subtendemos que o campo também era um dos lugares que Davi levava suas ovelhas.

4. Qual a tarefa de Davi? Pastorear as ovelhas!  Davi estava exercendo uma das profissões mais antigas do mundo (Gn 4.2).

Está enganado quem pensa que Davi passava as tardes apenas sentado, olhando para as ovelhas no campo.

Era papel do pastor suprir todas as necessidades das ovelhas. Era Davi o responsável por procurar pastos verdejantes para alimentá-las, águas tranquilas e refrigeradoras, guiá-las,  protegê-las dos perigos e do mal.

Segundo Ralph Gower:

"As ovelhas precisavam de constante proteção porque nos tempos bíblicos, havia muitos perigos para o rebanho, da parte de animais selvagens saídos das florestas que ladeavam o desfiladeiro do rio Jordão. Leões e ursos eram comuns (Jz 14.8; 2 Rs 2.25), e as aventuras de Davi para proteger os seus rebanhos também eram comuns (1 Sm 17.34-36). Amós descreve um pastor que tentou tirar uma ovelha da boca de um leão (Am 3.12). Hienas e chacais também abundavam. Não foi acidentalmente que Jesus afirmou que o bom pastor tinha de dar a vida pelas ovelhas (Jo 10.11). O pastor tinha de lutar, porque era seu dever aos proprietários por quaisquer perdas incorridas (Gn 32.39; Êx 22.10-13)." (GOWER, p. 135).

Davi mostrava-se um moço  responsável, eficiente e corajoso. Seu pai lhe havia confiado aquelas poucas ovelhas e ele não podia decepcioná-lo. Elas eram propriedades de Jessé e além de serem importantes, eram queridas pela família.

Também era tarefa do pastor nomear as ovelhas, dá-lhes um nome. Isso facilitava a relação do pastor com elas. No tempo requerido, Davi prestava conta de todas elas. Para isso, ele devia conhecê-las bastante.

Durante a noite, o pastor  recolhia o rebanho e ficava lhe vigiando. Assim era o dia a dia de Davi.

III- FERRAMENTAS QUE O ACOMPANHAVAM NO COTIDIANO:

Agora vamos estudar alguns aspectos específicos que Davi desenvolveu nesse período e os materiais que faziam parte do seu dia a dia.

1. A música. Nos tempos bíblicos, era comum fazer parte dos bens do pastor uma flauta feita de dois pedaços ocos de bambu. O pastor as usava para tocar músicas alegres e também tristes quando preciso.

No caso de Davi, inferimos a partir de 1 Samuel 16.16,17,23 que ele sabia tocar harpa. Davi sabia tocar bem. Era um instrumento que ele dominava, conhecia. A ponto de quando ele dedilhava a harpa, o rei Saul que estava atormentado, sentia alívio, se achava melhor e o espírito maligno se retirava dele.

Desde muito cedo, Davi era apaixonado pela música, característica esta que deixou um grande legado para nós. Isto porque Davi é responsável por ter escrito quase metade do livro dos Salmos (Davi compôs 73 Salmos).

Acredito que grande parte deles foram feitos nesse período em que ele cuidava das ovelhas do seu pai. Nos Salmos de Davi, é notável o uso da linguagem rupestre, de campo, paisagens, etc. Davi utilizou muito do que viu e viveu nos campos para escrever seus louvores a Deus. O maior exemplo disso é o glorioso Salmo 23. O Salmo 23 é um dos louvores mais conhecidos e belos de Davi; descreve justamente a visão que ele tinha acerca da atividade de um pastor. Leiam!

Sobre isso, R.N. Champlin comenta:

"É possível que ao cuidar dos rebanhos ele tenha desenvolvido suas habilidades poéticas; e a vida nos campos também lhe deu muitas metáforas, que ele incluiu em seus salmos, principalmente no imortal Salmo 23." (CHAMPLIN, p. 19).

2. A funda. "O pastor usava como armas um bastão pesado e uma funda. O bastão é referido no Salmo 23.4 como 'cajado', mas era uma arma pesada, e pedras de pederneira (mais tarde pregos) eram muitas vezes incrustadas na extremidade 'funcional' para torná-la mais eficaz. A funda era composta de uma tira larga de couro que podia segurar com firmeza uma pedra de cerca de 40 mm de diâmetro. A tira era presa a duas cordinhas feitas de tendões, corda ou coro de cerca de 60 cm de comprimento. A pedra era colocada na bolsinha e a funda girada, de modo que a pedra não se desprenda por causa da força centrífuga. Quando um dos cordões era afrouxado, a pedra saltava com força tremenda. Nas mãos de um pastor que tivesse tempo para praticar, a funda podia ser usada com grande precisão. Uma pedra bem colocada, caindo à frente da ovelha desgarrada do rebanho, a fazia voltar." (GOWER, p. 136).

Davi tinha sua própria funda (1 Samuel 17.40). Ela é usada na sua batalha contra Golias. O texto Bíblico relata que Davi toma seu cajado na mão, escolhe cinco pedras lisas no ribeiro, as põe no alforge de pastor, e lançando mão da funda, foi-se chegando ao filisteu Golias.

A Bíblia dá a entender que Davi era habilidoso com sua funda. Provavelmente, quando foi lutar com Golias, já o tinha usado para outras ocasiões no campo, seja com as ovelhas, ou com inimigos.

Sobre o episódio de Davi x Golias, R.N. Champlin comenta:

"Davi sabia que uma pedra lançada por meio de sua funda podia mandar um animal. Porque não um homem? Em seus dias como pastor, Davi tornara-se muito hábil no uso da funda. Sua habilidade foi-lhe muito útil." (CHAMPLIN, p. 19).

3. O cajado. "O cajado também fazia parte do equipamento do pastor, mas não era uma arma, embora fosse usada como tal ocasionalmente. O cajado tinha cerca de dois metros de comprimento e algumas vezes uma curva na extremidade. Era geralmente usado para ajudar o pastor a andar com maior facilidade nos lugares montanhosos ou difíceis, assim como para guiar as ovelhas. Quando essas passavam por uma entrada apertada, como por exemplo ao entrarem no redil à noite, eram contadas debaixo da vara ou cajado." (GOWER, p. 138).

O cajado era uma ferramenta indispensável na vida de um pastor. Davi reconhecia a importância de seu cajado a ponto de levá-lo para a batalha que teve com Golias (1 Sm 17.40). Um pastor sem um cajado é um pastor incompleto.

4. O alforge. "O pastor levava uma segunda bolsa de couro, consideravelmente maior do que a usada para a funda, conhecida como alforge. Ela servia para guardar alimento enquanto ele ficava longe da civilização. Davi já devia ter comido seus mantimentos quando encheu o alforge (surrão) de seixos, um dos quais foi usado para matar Golias (1 Sm 17.40)." (GOWER, p. 139).

Como foi abordado acima, a Bíblia relata uma das ocasiões em que Davi usa seu alforge para enchê-lo de cinco pedras que pegou no ribeiro. No dia a dia, Davi usava seu alforge para armazenar alimento enquanto estava cuidando das ovelhas de seu pai.

IV- CARACTERÍSTICAS QUE ELE DESENVOLVEU COMO PASTOR:

1. Davi era um pastor submisso ao dono das ovelhas.

Não bastava ser fiel às ovelhas, acima de tudo, Davi era fiel primeiramente a seu pai. A Bíblia deixa claro que Davi estava sempre à disposição das ordens do seu pai.

Em 1 Sm 16.11,12; Davi estava apascentando as ovelhas, Jessé mandou chamá-lo e ele veio.

Em 1 Sm 16.20; Davi estava apascentando as ovelhas, então Jessé (à pedido do rei) toma um jumento e o carrega de pão, um odre de vinho e um cabrito e os envia juntamente com Davi ao rei Saul. Davi obedece e faz tudo conforme seu pai lhe ordenou.

Em 1 Sm 17.17; Jessé pede que Davi levasse para seus irmãos no acampamento, um efa de trigo tostado e dez pães. Davi que estava apascentando as ovelhas, deixou-as com um guarda, e vai. Aqui, o moço demostra ser cuidadoso e preocupado com a bagagem e com seus irmãos (1 Sm 17.20,22).

É importante ressaltar que essa característica de Davi (obediência) se refletia não só dentro de casa como também fora dela (Por exemplo quando Saul manda dizer a Jessé que deixasse Davi com ele em 1 Sm 16.22). Isso fez com que Davi fosse amado por muitos (Saul, 1 Sm 16.21; Jônatas, 1 Sm 18.1-3; todo o Israel e Judá, 1 Sm 18.16; Mical, 1 Sm 18.20; etc).

2. Davi era um pastor presente.

A Bíblia ensina que mesmo depois de ter sido ungido rei, Davi continuou apascentando as ovelhas de seu pai (1 Sm 16.19). E mesmo quando estava com o rei Saul, voltava para as ovelhas (1 Sm 17.15). Não fugia de sua responsabilidade, nem deixava que sua ausência fosse real por muito tempo. Davi gostava de estar presente.

3. Davi era um pastor prudente.

Quando Jessé o enviou para levar comida aos seus irmãos, Davi se levantou de madrugada e deixou as ovelhas com um guarda (1 Sm 17.20). Davi sabia qual era sua missão: cuidar das ovelhas! E nisso, ele não podia fracassar. Portanto, quando precisou se ausentar, não as abandonou, porém proveu alguém que ocupasse seu lugar enquanto ele não estava.

4. Davi era um pastor completo.

Davi possuía características muito nobres para sua idade. Além de todo esse dinamismo que já foi citado acima, Davi tinha qualidades que saltavam para fora si, de maneira que outras pessoas viam essas qualidades nele. Veja por exemplo, quando Saul fala aos seus servos para trazer um homem que saiba tocar harpa, um dos moços diz que conhece um filho de Jessé que sabia tocar, era forte, valente, homem de guerra, sisudo em palavras, de boa aparência; e o SENHOR era com ele (1 Sm 16.18).

• Davi era "forte e valente". São duas características significantes de se ter. Há pessoas que são fortes mas não são valentes. E há pessoas que são valentes sem serem fortes. Davi era a combinação dessas duas coisas. Algo que certamente lhe dava vantagem, ou seja, a segurança de ser destemido na presença de qualquer inimigo.

• "Homem de guerra." Com coragem para enfrentar Golias, Davi conta a Saul que no campo, já havia matado um leão e um urso por tentar roubar um dos cordeirinhos do rebanho (1 Sm 17.34-37). Era um moço, mas um moço com experiências de lutas! Lembre-se que Davi era um bom pastor e o bom pastor dá a sua vida pelas ovelhas. Davi arriscava sua própria vida para defender aquilo que era do pai.

• "Sisudo em palavras." O termo hebraico que foi traduzido por sisudo é bin e aqui assume o significado de eloquente, informado, instruído, inteligente, observador, etc. Inteligente com as palavras, Davi sabia a hora exata de falar e de ouvir. Sabia tratar os outros bem. Conhecia o que fazia e fazia aquilo que sabia fazer e bem feito! A inteligência de Davi era utilizada frequentemente no cuidado com as ovelhas. Como pastor, devia estar atento aos lugares que levaria as ovelhas para pastar, o horário de alimentá-las, criar estratégias para usá-las quando aparecesse um inimigo, etc.

• "Boa aparência". De gentil presença, Davi cuidava também de si. Sabia se vestir e se comportar da maneira correta em diversas ocasiões.

 "O SENHOR é com ele." A mais excelente das qualidades: a presença de Deus. Deus já vinha investindo em Davi à muito tempo. Em 1 Sm 16.13, o Espírito do SENHOR, se apossa dele.

Que coisa gloriosa! Davi só lograva bom êxito em todos os seus empreendimentos porque o SENHOR era com ele (1 Sm 18.14).

O próprio Davi reconhecia que suas conquistas e qualidade não vinham de si próprio. Ele revela a Saul: "O SENHOR me livrou das garras do leão e das do urso; ele me livrará das mãos deste filisteu." (1 Sm 17.37).

Perceba que a ousadia de Davi era resultado da sua confiança em Deus. Nisso vemos que aquele que confia em Deus recebe forças, ânimo e coragem para enfrentar qualquer que sejam as adversidades da vida.

Conclusão: Ninguém imaginava que um moço criador de ovelhas, um dia se tornaria rei de Israel. Nem mesmo seus pais. Geralmente é assim, Davi é um daqueles personagens da Bíblia que foram forjados na solidão. Deus se utilizou da solidão que o colocou seu pai, para lhe ensinar grandes lições. Davi aprendeu muito com o campo! Ali mesmo, ele aprendeu a reinar. Primeiro reinar dentro do território que lhe foi confiado. Reinar sobre a solidão, sobre os inimigos. Reinar sobre os fortes ventos de outono, sobre as chuvas frias do inverno e sobre o sol quente do verão. Ali, para os homens ele foi por muito tempo desconhecido, invisível e não aplaudido. Entretanto, aos olhos de Deus uma ferramenta que estava sendo polida para o futuro. Para Davi era só mais um dia de trabalho: prover alimento para as ovelhas, remediar as doentes, procurar as perdidas, protegê-las do perigo. Para Deus, uma "teo-escola", isto é, a escola de Deus. Até que um dia, Deus o tirasse do cuidado das ovelhas para cuidar de uma nação. É Deus quem faz isso!

 Nos Salmos, Asafe canta:

"...escolheu Davi, seu servo, e o tomou dos redis das ovelhas; tirou-o do cuidado das ovelhas e suas crias, para ser pastor de Jacó, seu povo, e de Israel, sua herança. Ele os apascentou consoante a integridade do seu coração e os dirigiu com mãos precavidas." (Salmos 78.70-72).

E é dessa forma que um dos homens mais notáveis da Bíblia começou sua trajetória de experiências com Deus. Um homem segundo o coração de Deus, escolhido para através de sua descendência, trazer ao mundo o Salvador (Confira a promessa do reino messiânico a Davi no Salmo 89.19-37).

Através desse período da vida de Davi, podemos extrair várias verdades que são atuais para os dias de hoje.

Com Davi, aprendemos que devemos constantemente cultivar a virtude da submissão em qualquer lugar. Para nós, este moço foi e é um ótimo exemplo de como viver dignamente num ambiente longe de casa. Talvez os lugares que estamos percorrendo, não sejam os lugares que desejamos ou sonhamos, mas certamente são lugares pelos quais Deus quer nos levar como o objetivo de nos preparar,  nos ensinar algo e nos abençoar.

Sendo assim, aqui vão alguns conselhos:

Assim como Davi, aprenda a desfrutar de cada experiência que Deus lhe permite passar. Dê o seu melhor em tudo, domine, supere as adversidades e seja diferente. Não se contente em ser mais um. Use os recursos que estão ao teu redor para trafegar por qualquer caminho que estiver na sua frente. Conheça-os. Torne-se alguém habilidoso, dinâmico!

As contemplações de Deus por trás de toda a história, também nos ensina bastante. Assim como esteve com Davi, Deus está conosco. Ele é a fonte das nossas boas e agradáveis realizações. Está agindo o tempo todo ao Seu favor e conforme Lhe apraz.

Por fim, descanse em Deus. Não pense que está no lugar errado ou servindo ao Deus errado. Nada disso está errado! Apenas seja fiel a Deus e O verás agindo na tua vida para que lá na frente, você tenha muitas experiências para transmitir e através de você, Deus ser glorificado por outras pessoas.

Que Deus abençoe a todos!